26.1.10

Risadas Caras.

Como de costume, aquele banho de clichê caiu sobre a minha cabeça e eu pedia para colocar sempre mais gelo para ver se as coisas paravam de balançar tanto. Usei o dicionário de palavras xulas que  vinha enriquecendo a cada dia, misturado em uma panela de sentidos Maysa com o roquenrou que eu gostava de roer.
Eu estava nua e cheia de risos, no pico no mundo de madeira, dançando o som da minha cabeça, em meio a caídas e levantadas de uma pessoa sem pernas na mente. Em determinado momento, eu olhei para o teto, vi estrelas e acordei no céu.
Voltando para a Terra, eu li o bilhete deixado embaixo de uma agenda. Pedia para esperar. Como resposta, eu fechei todas as cortinas e saí andando. Não paguei a conta.


22.1.10

Contrato VI


Meu melhor era pendurado no pescoço. Lustrava-o para deixar cair nele o resumo do dia, com a intenção de que eu pudesse resumir tudo quando o final começasse. Quando terminava, já não me interessava mais.
A curiosidade perguntou-me qual era o caminho mais rápido para se chegar ao caos. Deixei o dedo apontar enquanto fui ao contrário. Perdi a direção, as roupas, o perfume e um pedaço do melhor.
Lágrima rolou dos olhos e pediu um pouquinho mais de umidade para poder correr mais rápido. Dizia que me ajudaria a voltar ao lugar certo. O que restou do melhor deu risadas histéricas, contraiu-se e saiu rolando como feno no vento.
Colei-me. Sussurrei o choro e caí em lamas de excessos e pedidos. Emprestei e devolvi empréstimos, até que rolei pelo chão, sem riso. Senti a parada, abri os olhos, molhei-os de novo, caí em batimentos, rubro acolhedor.
Primeiro vi os sorrisos, depois o brilho. Ainda tive oportunidade de ver os pássaros da mente levando beleza nos bicos para a boca, encostando na minha, ainda caída. Foram vários goles antes da embriaguez.
Os meus cabelos emaranhados do outro caminho foram trançados com fita. Minhas mãos foram limpas e meu corpo foi coberto com folhas. A linha costurou meus pontos e a brisa varreu o chão, o terreno foi feito assim.
Em meio a cócegas, ouvi a risada histérica do meu lado. Não olhei, senti. Lustrei, musiquei e deixei ao lado do sorriso.

21.1.10

A Boba.

Tarde, a caneta apoiada na mesa sobre o papel desenhado em recados para quem não os leria tão cedo. Os sintomas começaram um pouco mais tarde, com o céu alaranjado, coberto pelo manto azul escuro.
Pontos de luz brincavam de charme e ela sucumbia. Amolecia o corpo, largava os braços para trás, sorria e suspirava fundo, como se o ar da cidade tivesse se transformado na atmosfera mais pura. Refrescava. Estava sozinha. Feliz por estar triste e não ser, porque era assim que as coisas eram na sua cabeça, e a cabeça ia para o mundo em reflexos que varriam o espaço.
Deicidiu acender a luz e abraçar o travesseiro. O travesseiro não teria graça sem luz, nem a luz teria graça sem abraço. O fez, desfez e voltou a pegar na caneta para continuar rabiscando. Abobou-se.
 

18.1.10

Cruz Credo.

Abraçado pela onda da ventania da janela, acordei pela manhã e caí em prantos quando não encontrei o lugar certo para por os pés. Coloquei na bagagem as veias e o pulso, andei pelo caminho que encontrava e não via. Errado.
Cantei os sons que conseguia para ver se a luz abria, sorria, cantava, comeria minha alma ou a levaria embora  para entregar ao demônio dentro da terra. Quem dera fosse isso que acontecesse... serviria para muito mais e eu passaria a ter muito mais sorte do que a que me foi dada por ter o que segurar a cabeça em cima do tronco.
Engulo poeira e sal. Torço pelo engasgo.


16.1.10

Contrato V.

Nega a dor que parte dos punhos. Sobe a garganta, bombeia a cabeça e fica por lá, lembrando que existe e que não quer e não vai sair dali, nem que tudo saia da raiz. Que saia da vida, então.
Caminhou tanto antes do espaço amarrado, mas rompeu as linhas uma a uma, escorrendo a tristeza e rindo do vazio que agora fica. Finca e sai correndo. Assim, funciona.
Não sorri mais com os dentes, porque já não os tem. Dá voltas na própria volta, para e continua a girar dentro de si.Cai, dorme, acorda e retorna para onde a mente ainda não foi, talvez não vá ou, se for, tropeça no meio do caminho e quebra a perna. Come. Respira. Não tem tato, tem olfato.
Se cai, retira os espinhos das mãos. Nem tudo fere quando não se quer ser ferido.

Repete.


9.1.10

Problema.

O grande problema da interrogação é a curva antes do ponto.

6.1.10

Mais ou Menos.

E o chão, o caminho, os ladrilhos, a fuga. A colheita, a união, a cria, a ventania e a vista. Também os pássaros, o sangue, a vida, a morte, a criação e a perda. Tanto a dor no estômago da falta, quanto a calmaria de estar longe de ir contra algo. Feito sem fazer sentido, cozido sem gosto, mãos sozinhas, peito caído. A ferida, o som, o canto dolorido que torna indolor a sensação de ser menos. Não são mais; serão, quem sabe, mais ou menos.

4.1.10

Contrato IV.

Não quero dar fim à vida. Quando falo de vazio, não é de tristeza que traço caminho, e deve ser justamente por isso que o fim não é a solução para o que começou porque o rasgo na pele não sara. Foi justamente por causa dele que eu deixei que todos os outros surgissem. Não cuidei de nenhum deles. Trinquei as portas da mente no beco da alma com a esquina do que deveria ser.
Lembro-me do cheiro do balcão que serviu de cenário para o hálito bêbado que avisou o hálito de córrego que esperaria por mim se eu pisasse mais fundo no desejo. Não temi ter os olhos arrancados, ter que ir embora  ou trocar minha alma pelo breu para que eu tivesse o lábio desenhado no meu assim que tudo estivesse acertado.
Assinei com os meus lábios para tocá-los em outros. Consegui.
Sentei e esperei que me levassem embora. Deixaram-me.
Não ando. Tenho pernas, mas paro.
Não consigo. Não tento.
Não quero.
Preço.

1.1.10

Tudo o que eu consigo dizer às 04:11 da manhã do primeiro dia da sequência que vem para parecer que não acaba é que eu te amo. A única coisa que não sei e que não cala é que eu não tenho consciência se te amo porque eu não te conheço ou se não te conheço porque eu te amo e só Deus sabe que eu saberei que te amo quando conhecer ou justamente o contrário. Mesmo que seja o oposto, o importante é que eu sei que eu sonho e eu temo, e temer não é não poder, não é não amar, não é não querer e, isso sim, é justamento o contrário. Quero soltar a linha que está presa no meu carretel de palavras, soltar o abraço preso pela música  emprestada e quero dançar contigo a dança que prometi dançar em troca de algo que eu não me lembro o que é, e nem importa. O que eu sei é que eu te amo e não sei quando eu te amarei pra poder dizê-lo. Espero em meio a críticas bonitas, olhos bonitos distanciados, nascimentos, esperanças e rótulos em garrafas de água.