Eu e ela. Elaeu. Euela. Eula. Eu lá, boiando com a cabeça interna. Pegou na minha mão pra não se perder de mim e foi muito bonito. Senti como se estivesse naquela história daquela menina pirada, que foi pra um mundo pirado e pirou nas coisas num mundo em que só conseguiu conhecer quando chorou pra cacilda e entrou pelo buraco, feito eu. Foi, então, que eu resolvi colocar um nome nela.
A mãe me disse que era legal colocar nome nas coisas, nas pessoas e no que a gente sentia, e eu sentia a cabeça interna do meu lado o tempo todo. Ela não soltava de mim, mesmo sem ter dedo nenhum. Havia horas, naquele vai e vem das ondas que eu havia ventado, que ela tentava me dar abraços, mas não conseguia porque não tinha bracinhos. Quando pensei nisso, virando esquina, lembrei daquela musiquinha do bolinho de arroz e comecei a rir! Pena que a risada não me trouxe lembrança de nome nenhum. Batizei , então, de Bolinho de Arroz, tão bonita comigo naquele momento úmido e ventoso, sem saber pra onde e se realmente íamos. Sentia a mente na minha mão, engolindo todas as letras d’água. Pensei: - Vai vomitar, a pobre!, mas nada. Fiquei entediado e com vontade de engolir letras também, mas me sentia tão leve na onda que me deixei levar.
Chamei Bolinho para dizer que estava sentindo cócegas no coração, e que risadas queriam dar um beijo na testa dela, perguntar se ela se incomodava por ser uma mente sem gente. Ela atendeu virando os olhos e acabou batendo numa lagarta cabeluda, daquelas que queimam a gente quando alguém fala palavrão, cospe no chão, joga lixo na rua e não dá espaço no ônibus para velhinhos. A lagarta olhou feio pra ela, coitada, senti-me até um pouco mal por ser tão improvável que eu a defendesse de alguma cuspida ou bofetada. O maior problema, na verdade, não foi o trumbico, foi o rabo da lagarta que ficou preso nos cabelos da Bolinho. Alguém já viu um Bolinho de Arroz cabeludo? Graças a mim, passou a existir uma dessas raridades! O mais estranho é pensar numa internidade com cabelo. Isso, sim, é muito esquisito e nem eu mesmo sou capaz de inventar essas coisas.
A lagarta era preta, tinha dentes muito grandes e soltava pelinhos. Quando olhei de perto, confesso que queria ver se o gosto dela era bom, pra ver se discutiríamos algum sabor, mas ela sorriu tão grande pra Bolinho que eu sorri também e fiquei contente, até que senti que algo batia na minha barriga. Dava cutucadinhas que subiam, subiam e foram subindo até chegar na garganta. Abri a boca pra ver se era alguma letra que, eventualmente, eu teria engolido. Vi bem pequenos dois A, dois E, um S, R, um C segurando uma minhoca, um R e um P entrando correndo pra dentro da minha boca e, quando eu levo susto, eu arroto. Arrotei.
Bolinho deu risada, muita risada, e quanto mais ela ria, mais eu o fazia também, e quanto mais eu o fazia, percebi que apareciam uns pontos coloridos na maré-luca, virando esquinas, brotando das marolas e chovendo do céu e dos ladinhos. A lagarta negoga começou a soluçar de tanto que estava sorrindo e começou a puxar os pontinhos coloridos pra dentro da boca, e todos eles iam se juntando e formando as partes de uma gente que eu não sabia quem era e que se seguravam nos dentes para não doer tanto. Parecia um quebra cabeça de mente. Falei pra Bolinho conseguir um reunido de pontinhos daquele para ela poder morar e ser feliz, mas ela não soltou nem de mim, nem da bicha preta.
Para chegarmos no tempo para que ele passasse rápido por nós, ela começou a me contar coisas que ela tinha dentro de si, das quais eu só consigo me recordar de uma, porque foi a única que eu dei o pedacinho de pão de atenção que eu tinha guardado no bolso da calça. Disse ela que eu mesmo havia contado a ela tudo aquilo um dia lá de trás, mas... era mais ou menos assim:
“Contaram uma vez sobre um lugar e disseram que eu gostaria de estar lá. Dizem que lá tem coisas que acontecem dia sim e dia não, só que todo dia é dia sim. Quando chove, diz que nada acontece porque tudo nada. A flor que não nasce é porque nasceu do lado errado. E a gente gira, gira, gira que nem parafuso até chegar ao céu. Chegando, contam pra gente de um lugar que a gente esteve e que eles gostariam de estar. Empurram pelas costas e a gente cai numa nuvem que cheira a doce. Ela reclama um pouco no começo, mas depois bate um papo gostoso que nem brigadeiro de festa. Como a nuvem é alérgica a pele de gente, ela espirra e a gente sai voando e voando. De primeira, dá medo, porque gente não tem asa, mas, depois, há-há-há, é só festa: sai uma bruta de uma asona azul, rosa e verde, cheia de risquinhos pretos, bem bonita! A gente pode pousar onde quiser, quando quiser, como quiser. Deve ser um lugar bacana, que nem banana.”
Enchi meu peito e fiz questão de dizer em alto e bom tom: - É tudo mentira!, e ela fez bico.
Desde o principio eu suspeitei que era mentira, e meu bico tbém já se fazia, o mais engraçado é que é verdade, to com essa mania de bico agora! Igual criança mesmo. Acho que eu viajei no que voce escreveu por ai tudo. beijo e lembre que o silicone não é só o que existe, tbém tem os ganchos para erguer os peitos!
ResponderExcluiraté que enfim tu postou.
ResponderExcluirLá no Brasil eles dizem que há dois tipos de verdade: a mentira muito bem contada e a mentira muito mal contada.
ResponderExcluirAndava com saudade de ouvir esse blues arrastado
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