29.10.09

Contrato.

Precisava de um pouco de raiva, insegurança, calor e água. Não quis o que havia porque era covarde e tinha medo. Medo eu não queria.
Tomei uma xícara de café e engoli tudo como se fosse de ontem. Desceu amargo, arranhou a garganta e não eram unhas de amor que iam embora. Era outro começo.
Feito quem vende a alma em encruzilhada, saí de casa sem trancar a porta, sem trocar de roupa, e fui caminhando descalça. Não sabia o que eu queria, sabia que precisava e desejava.
Senti um violão nas costas, outro n'alma, um no peito e um na cabeça. As mãos fervilhando, os dedos caminhando ao meu lado. Foi assim que tomei coragem e parei.
Sentei no chão, olhei meus lados e vi que tudo dentro de mim pesava mais.
No retorno de um suspiro, veio alto: Graças a Deus!, e foi então que veio o que eu queria. A face limpa e suja, o sorriso era torto e o cheiro era de molho de amora.
Estendeu a mão, eu fiquei cor de vinho, alargou o sorriso e perguntou: Quer dançar comigo? Eu te levo de volta para casa, te ponho na cama e te cubro.
Não tive tempo de aceitar, pois já tinha aceitado antes do convite. O peso foi aumentando, os dedos foram sozinhos dançando e eu já não era mais, nem era menos.
No entanto, o que ele queria era ouvir 'sim'. Então, com meu braço apertado pelos dedos sujos, eu disse. Segurou-me mais ainda, abraçou-me forte, deu a volta em minha cintura, explodiu um beijo nos meus lábios e tomou meu corpo para si. Terminado o processo, fez questão de olhar para mim e dizer que a última mocinha que quis o mesmo que eu fora na década de 20, e que eu estava atrasada.
O número de violões aumentou. Meus pés cravando no chão, uma dor quase insuportável, deliciosa, e saiu um grito alto, que correu cru até o outro céu que fica além do que eu conhecia.

Louca Sem Destino.

O sofá, sempre. O que há no copo, rotativo.
Não falo de álcool. Rotação, neste caso, envolve gasolina, de qualquer tipo: de corpo, de som e de combinações, por exemplo.
A observação me encarava porque já era a quinta vez que o arranjo cruzava a sala, batia na parede e caía na minha cabeça. O problema disso não era por eu ser sempre malcriada, mas porque eu simplesmente deixava. Quando tudo pulava, eu pulava junto, até parar de pular. Cansada, eu caía em mim, e era isso que deixava a observação fora de si.
Sinceramente, não dava muita importância até o dia que ela parou de me fitar... confesso, fiquei preocupadíssima. O que eu queria muito mesmo era continuar pulando, sabe?
De saco cheio, um dia, eu deixei a janela aberta.
O arranjo fez o de sempre, naquela altura, pela octagésima vez. Não foi na minha cabeça que ele bateu porque estava muito contente sem a observação, diferente de mim.
Ele voou pela janela, deu pirueta no ar e eu fiquei só olhando, com os olhinhos brilhando.
Foi tudo tão mágico que eu vi o brilho refletido no arranjo maluco e voador e ele, sacana!, fez questão de espalhar pra todo lado.
Num determinado momento, ele ficou parado no céu, longe e caiu. Em um minuto ou dois (ou mais), ele subiu de novo.
Trouxe uma gaita, um banquinho, uma companhia e encheu o copo.

27.10.09

Declaração de Amor.


Nada, ainda.
Um dia.

25.10.09

Isso.

O violão deitado no meu colo pedia carinho, mas eu já não sentia vontade. A xícara em cima da mesa também não queria mais ter gosto, e, como num motim, a casa toda recusou-se a ser minha.
Perguntei a ela como estaria disposta a ser dali até onde quisesse, caso nada fosse como era.
Ela respondeu, muda, mantendo-se a mesma.
O vento chamou a cortina para dançar, e ela dançou como quem não quisesse, só para fazer honra.
Meu coração não quis conversar com os olhos, então, eles resolveram tentar com o liso do teto. Era um liso tão lisinho, que os olhos acharam que era um céu e viraram mar.
Aconcheguei-me nos meus braços, segurando tudo ao meu redor que havia em mim. Quando vi que poderia estar só, mergulhei no tal mar. Ainda não saí dele.
Sigo no naufrágio de nada, com vontade de tudo.
E espero, sem pressa.

23.10.09

Cômoda.

Chuvinha caindo na janela, pedacinho de mim caindo no chão, pensamento coçando nas orelhas.
Mexi nas gavetas e achei partes de ontem, pequenos sopros de vento. Meus cabelos balançaram com a brisa. Eu achei aquilo tudo tão lindo.
Procurei um resquício que eu queria muito encontrar, mas acabei cortando a mão e desistindo.
Enquanto procurava algo que estancasse aquilo que não era sangue, entrou uma música na cabeça que tinha som de pirulito.
Fui atrás e encontrei uma vitrola rodando um vinil e um bando de músicos em cima.
Era tudo tão gostoso, que acabei dormindo.
Acordei no dia seguinte cheia de marca. O pirulito foi trocado por um som tocado de preto.

17.10.09

Silêncio.

Levei o Sartre pro show de grunge, não deu certo.
Peguei na mão do Guimarães e levei pro rock, ele disse que disse. Eu não tive tempo de entender, então, ele foi embora.
Convidei o Drummond para o samba. Sentou na mesa, olhou pra tudo e dormiu.
Quis dançar com o Camões a MPB do Caetano feliz, ele viajou demais.
Prometi que não levaria ninguém para o blues. Principalmente os alemães.
Então, peguei um papel, uma caneta e escrevi o silêncio, até que os dois ficassem bem juntinhos.
Sambei sozinha meu próprio som, num bequinho qualquer.
Voltei pra casa bêbada de tanto vazio.

16.10.09

I Should've Learned the Lesson

Não entendi até agora como é que eu pude ficar sem remorso, sem pena, sem pensar, sem dó, e sem nada próximo de compaixão no peito, na alma, no corpo, na mente, nos olhos, na palavra.
Entrar nos méritos de que tudo nesse maldito dito amor é um jogo e todas aquelas coisas que cantam nos acordes frouxos de musiquinhas que impulsionam choro gratuito não é a melhor pedida. Não mesmo. Não agora.
Esse lance todo de acender cigarro atrás de cigarro, tremendo com medo de si e perdendo a cabeça em meia garrafa de whisky falsificado são coisas que eu não combino mais com minha parcela de preocupação. Não por hoje, porque senão perco minha porcentagem de eu e passo só a ser qualquer coisa. Perde-se tanto de mim, que some e eu não tenho mais controle.
Eu odeio tudo isso de sinceridade extrema confundida com falta de respeito, com falta de sentir falta, com desprendimento tão completo que assusta. E eu, tonta, me afasto mais uma vez.
Desejei tantas vezes que você morresse. Morresse por dentro, desintegrasse por fora, e eu já desmanchei minha alma em águas por conta de pensamentos como este, mas essas águas sempre secavam quando eu via que a morte não era putrefação. Quem dera fosse (e já me arrependi de ter dito isso).
Por que eu sempre tive preocupação em modular palavras? Para que elas coubessem no teu pensamento, mas acho que nunca couberam. Se couberam, era por conveniência: ou o faziam mais forte, ou funcionavam como apoio quando mais fraco. Hoje, eu queria passar uma rasteira e esperar você olhar para mim para ouvi-lo pedir desculpa e agradecer pela violência de palavras e gestos e pedir que eu o fizesse de novo e pedir para que eu o fizesse novo. Aí, sim, eu o faria com pedido; você nunca pede, e eu faço.
A maior incoerência dentro do todo, é que uma música que clama pela paz é embalo nesta hora da madrugada. E maior que isso, ainda é o fato de que eu não estou falando de você, porque eu não consigo mais falar nada sobre isso. Eu falo de mim e de todo mundo.

um dia, meu coringa te visita


15.10.09

Yawn, babe!

Toda vez que o sono bate em mim, eu, sem vergonha, dou-lhe um tapa de volta e ele sai pela janela. Faz uns "cain-cains" tão altos que mal dá pra fechar os olhos de volta para poder imaginar as coisas que eu quiser no meu storyboard imaginário (eu gosto de imaginar coisas, não sonhos , porque sou burra).
O meu real problema é que eu sempre me arrependo, porque sou comida por remorso (que nem Prometeu tinha o fígado comido pelos corvos todas as noites) e descubro-me sem pensamento de coisa. Então, noto que eu tenho uma vontade imensa de ter imaginação de sonho mesmo, mas, daí, é tarde. Três, quatro da manhã, sabe? Quatro e meia, cinco... galo cacarejando cococós e eu com cara de nádega, olhando o nada, pensando nada, sentindo nada (misturado com o pesadelo de não ter nem sonhos).
Tomo café pra ver se cura o nada, o coração acelera porque estava vazio até as horas da manhã. Passam, o dia passa, momento passa. Um timbrezinho ali e aqui pra acordar a nádega da face, e eu, ainda me roendo por ter batido de volta naquilo que é quase um ser, penso em como seria gostoso deixar tudo bem macio para quando fosse bater em mim de novo (hipnomasoquista).

13.10.09

É (mo).

Eu te amo. Nunca te amei na minha vida, mas eu te amo. Eu não sabia quando se amava e talvez eu ainda não saiba, porque não sei se existe alguém realmente tão simples e supremo capaz de amar. Só sei que você é simplesmente minha música, mutante música.

Você era um magricelo com cabelo de Slash e tattoo no braço, que usava pulseiras e tinha uma caixinha que salvaria num dia de incêndio. Com cheiro de coisa tão boa que eu não sei o que é. Falava comigo de rock ‘n’ roll, de blues, de banda, de som, de vida, de música, de nada. Que dizia que me adorava e não amava porque não usava a palavra amor. Que era apaixonado, apaixonante, que tinha alguém apaixonado. Filosofava sobre vida, amor, passado, presente, relatividade, morte, tudo. Éramos os amigos perfeitos que nunca deixariam de sê-lo, mesmo que não fossem mais perfeitos. Era quem nunca me deu esperança de nada porque esperar não era justo, e eu não esperei. E saía comigo, e me ouvia e me olhava nos olhos e me abraçava e não me dava beijo porque não precisava. Beijava minha alma. E o dia que me mandou um beijo no ar foi a coisa mais linda.

E não precisava nem ouvir nada pra entender o que eu dizia. E que um dia me beijou o corpo e disse que eu era música.

Seu cabelo mudou. Seu corpo mudou, doente ou não. A roupa mudou, o tênis, a calça e não mudaram nada. Os óculos escuros são os mesmos.

O cheiro é o mesmo.

Suas palavras mudaram, sua postura mudou, seu corpo, seu jeito, seu cabelo, suas expressões numa conversa. Seu toque, seu tocar, seu som, seu sentido. Sua vida, sua rotina, sua não-rotina.

Testou, experimentou, fez, quis, sentiu, ressentiu, ignorou, amou, desamou, amou de novo, deslaçou, laçou, prendeu, amor mais uma vez e se apaixonou. Quis, conseguiu, não quis e conseguiu de novo. Tanto faz.

Suas crenças aumentaram.

Ser a música é ser a essência. É ser parte, é existir, é ser tudo e nada e tudo misturado dentro de uma coisa só.

De música passei a ser elevado que pode superar coisas.

Eu ia te ver tocando e chorava (e não chorava). Eu não esperava, não esperei e não espero. Esperar não é justo. Eu bebia e você não bebia.

Eu ia vê-lo e você sumiu, porque sempre some e o cheiro fica.

Aí, você saiu do blues.

Aí, o blues acabou.

Aí, eu falava com você.

Aí, você me falava de drogas, de alucinações, de sonhos. Fazia perguntas sem nexo com todos os nexos do mundo em meia dúzia de palavras. Era você? Quem é você e quem sou eu? O cheiro continua o mesmo e eu tenho certeza disso.

Eu percebi que não é ausência que faz esse cheiro sumir. Ausência de corpo, ausência de palavra, ausência de qualquer coisa... eu me enganaria o resto da vida se fosse possível. Não preciso tê-lo e não espero tê-lo, porque ninguém tem a ninguém e eu nunca te tive.

É a procura do simples já o sendo e é o equilíbrio que o 50% não pode dar a ninguém.

Não me culpe.



12.10.09

Nothing.

Hoje eu vou falar nada. Não vou ficar sem falar, e nem vou falar sobre 'nada'. Nem sobre a palavra, nem sobre o significado e o significante. Nem sobre o conteúdo do discurso.
Muito menos estou a fim de falar sobre cigarros que resolvem todas as coisas, cervejas que cegam e deixam tudo mais bonito (e torto) ou sobre quão machistas são alguns gaitistas, guitarristas e qualquer ser do sexo masculino (nem sempre só eles) envolvido com a musiquinha que embala este coitadinho emochic, chamado blues.
Eu também não vou falar que eu penso que a Memphis Minnie é uma musa e que eu queria ser como ela. Nem que Johnny Cash e June Carter eram o casal mais bonito.
Já diria Big Gilson, mesmo sem palavras, que o que há é puro feeling, e não me importa o quão showmen são aqueles guitarristas que adoram todas as luzes do palco na hora de cada acorde.

O que importa, realmente, é que eu escrevi pra cacete e não disse porra nenhuma.

Eu falei nada.

O Clichê do Filgo.

Pensando e percebendo... bluseiro não curte fígado (clichê).
Um dia, eu, num sebo (sem nada para fazer e quatro reais no bolso... trágico), achei uns livrinhos tchans numas daquelas prateleiras cheirando a calcinha de véia. Lá, havia um chamado Poema Bêbado, de um Zé ruela chamado Milton blablablá (me esqueci) e tive a feliz ideia de comprá-lo. Um realzinho e tal, barato, etc...
O cara dividiu o livro em poemas chamados de doses. Legaizinhos até, há 33 deles chamados assim. Lá mais pro fim, ele fez dois poemas bem mais legais que os outros: e um chamado Dose Especial aquela que nem se lembra que entrou - nem se já saiu e não se viu) e um último, chamado Tributo ao Fígado.
Este ben-maldito poema lembrou-me que o Rory Gallagher não existe mais por conta do fígado, e tantos outros também não existem mais por conta dele (e também por umas fumacinhas extras e etceteras que não nos diz respeito).
Aí, me deu uma puLta vontade (o L é pra dar profundidade ao palavrão) de compartilhar um trechinho deste poema, que nos remete, também, à música:

"ele é o ritmo
eu sou a melo
dia
sem ele bem
não existe harmonia"


Tchau, Rory!


11.10.09

Isso Não Existe

E não existe mesmo.